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Tragédia no Rio Grande do Sul foi intensificada por mudanças climáticas, confirma estudo | GZH

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A chuva que causou as enchentes do final de abril e do início de maio no Rio Grande do Sul foi mais intensa devido às mudanças climáticas induzidas pelo ser humano, aponta ClimaMeter. O consórcio identificou que, apesar do El Niño e de outros fenômenos terem agravado os temporais, suas contribuições para esse episódio foram menores do que o aquecimento global.

A estimativa é de que as mudanças climáticas tenham tornado a chuva 15% mais intensa do que seria. Para analisar os fatores desse evento meteorológico extremo, os cientistas do ClimaMeter conduziram uma análise rápida utilizando uma metodologia baseada em informações meteorológicas históricas dos últimos 40 anos.

Os pesquisadores comparam como eram os sistemas de baixa pressão semelhantes ao identificado neste episódio no final do século 20 (1979-2001) e como estão agora, nas últimas décadas (2002-2023), quando o efeito das mudanças climáticas se tornou mais evidente. A análise também avalia a contribuição de fenômenos naturais, como o El Niño atualmente em curso, conhecido por aumentar a precipitação no Sul do Brasil. Foi com essa metodologia que os pesquisadores descobriram que as depressões semelhantes às que atingiram o Rio Grande do Sul agora são cerca de 15% mais intensas.

Segundo o climatologista Francisco Eliseu Aquino, chefe do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), as tempestades que geraram chuva extrema no Rio Grande do Sul decorem de uma situação atmosférica complexa, com contrastes entre a onda de calor no centro do Brasil e o ar frio de origem antártica ao sul, associado a ciclones extratropicais, o que favorece eventos extremos em um planeta mais quente.

— Pelo trabalho de investigação em eventos extremos que estamos fazendo nos últimos 20 a30 anos no Rio Grande do Sul, já era previsto que a mudança climática se somasse aos fatores naturais, intensificando eventos climáticos e meteorológicos extremos no mundo e em especial no Sul do Brasil — observa Aquino.

Pesquisador do Instituto Pierre-Simon Laplace de Ciências do Clima e um dos autores do estudo, Davide Faranda destaca que as inundações foram intensificadas pela queima de combustíveis fósseis e impactam, sobremaneira, comunidades vulneráveis "injustamente sobrecarregadas pelas consequências, apesar de terem pouca responsabilidade pelas mudanças climáticas". Afirma, contudo, que ainda é possível mitigar esses riscos.

Tomar medidas decisivas agora para combater as mudanças climáticas é crucial para construir comunidades mais seguras. DAVIDE FARANDA | Pesquisador e autor do estudo

— Ao abordar as mudanças climáticas em escalas regional e global, podemos proteger vidas humanas e limitar a frequência e a intensidade de eventos climáticos extremos. Isso envolve uma redução imediata das emissões de combustíveis fósseis e medidas proativas para proteger áreas vulneráveis de padrões de precipitação cada vez mais erráticos. Tomar medidas decisivas agora para combater as mudanças climáticas é crucial para construir comunidades mais seguras, capazes de resistir aos desafios climáticos futuros — avalia o cientista.

Na visão de Luiza Vargas-Heinz, integrante do ClimaMeter, graduada pela UFRGS e vinculada ao Centro Internacional Abdus Salam de Física Teórica, na Itália, a infraestrutura projetada para proteger contra precipitações extremas e inundações tem sido insuficiente, fazendo com que milhares de famílias, especialmente com menor status socioeconômico, se desloquem.

— Há uma clara necessidade de investimentos em infraestrutura e planos de contingência de emergência para mitigação de tais eventos extremos, pois espera-se que aumentem sob as mudanças climáticas — pontua Luiza.

Mudanças no século passado

Transformações nos padrões de precipitação foram observadas, segundo os pesquisadores, em diferentes partes do Brasil ao longo do século passado. Na região Sudeste, por exemplo, houve aumentos significativos de chuva, seguidos por secas, enquanto, no Centro-Oeste, ocorreu uma leve redução na precipitação.

— O Sudeste da América do Sul é uma das regiões onde tanto as tendências observadas no passado quanto as projeções climáticas futuras concordam que a intensidade e a frequência de eventos extremos de precipitação e inundações pluviais aumentaram e continuarão a aumentar até que cessem as emissões de combustíveis fósseis — salienta Erika Coppola, do Centro Internacional Abdus Salam de Física Teórica.

No Rio Grande do Sul, o impacto das mudanças climáticas se caracteriza por uma combinação de eventos extremos envolvendo mais chuva e mudanças nos padrões regionais de precipitação, com implicações na agricultura e nos recursos hídricos. Não foi constatada mudança significativa de temperatura ou nos ventos.

Em Porto Alegre, Caxias do Sul e São Leopoldo, os cientistas observaram um aumento de até 15% a mais de chuva entre os dois períodos analisados, o que representa 3 a 6 milímetros de água a mais por dia. Já a análise do El Niño não identificou variações significativas em seu comportamento.